terça-feira, 3 de março de 2009

Um projeto de inclusão com arte.

Música no Silêncio

A presença da música na vida dos seres humanos constrói a sensibilidade e sua importância é incontestável. Ela tem acompanhado a História da humanidade, ao longo dos tempos, exercendo as mais diferentes funções. Está presente nos rituais indígenas, nas celebrações religiosas, nas comemorações festivas, nas manifestações culturais, nos sons da natureza. A música é universal e uma das mais importantes formas de comunicação. Ela desperta os sentimentos mais profundos do ser humano, aguçando os sentidos, marcando momentos, histórias, amizades, amores.

Socialmente, a música produz inclusão, diminui as diferenças e gera alegria. É feita para comunicar algo que vai além das palavras e também transforma e educa. É simples falar de música para quem ouve. Entretanto, há um grupo de pessoas que geralmente não consegue sentir essas emoções: os surdos. Todos sabem que o mundo dos deficientes auditivos é excluído da música. Certamente o silêncio tem inúmeras vantagens, e isto não é questionado, mas alguém parou para pensar em como transmitir a emoção dos sons no silêncio?

A resposta veio de um cantor cego. A emoção da música, todo o seu conteúdo e ensinamentos podem ser sentidos nos gestos. No caso dos surdos, isso acontece através da interpretação das canções em Libras (língua brasileira de sinais), que é a forma de expressão de grande parte da comunidade surda. Se os deficientes auditivos não conseguem apreciar as canções em sua forma completa, que compreende melodias, ritmo, intensidade, timbres, alturas e até silêncios; eles conseguem ver, sentir e se emocionar com uma música quando é interpretada em Libras. E, para que isso aconteça, a união de um músico deficiente visual com um intérprete de Libras torna-se um ato de inclusão e respeito à diversidade.

Com o objetivo de sensibilizar surdos e ouvintes é que a ONG Vez da Voz promove a arte e divulga os talentos das pessoas com deficiência. O projeto de ação social “Música no Silêncio” tem a missão de quebrar o preconceito e disseminar a prática de uma arte inclusiva, sem diferenças entre o mundo dos sons e do silêncio.

O projeto
O projeto “Música no Silêncio” consiste na gravação audiovisual de músicas nacionais com a presença de um cantor deficiente visual e de um intérprete de Libras. Após a autorização da gravadora e dos compositores das músicas selecionadas, o material gravado poderá ser reproduzido em palestras de sensibilização, escolas públicas e no site da ONG Vez da Voz. Este vídeo poderá ser assistido gratuitamente na internet, sendo possível seu download por surdos e por pessoas interessadas em aprender Libras e difundir a inclusão. Os artistas do projeto “Música no Silêncio” poderão participar de eventos, programas de TV e shows inclusivos.

Objetivo
- Criar meios artísticos de sensibilização, tanto de ouvintes quanto de surdos;
- Dar oportunidade para os surdos compreenderem a história e o conteúdo das canções;
- Divulgar a Libras;
- Praticar a arte inclusiva;
- Mostrar os talentos das pessoas com deficiência;
- Chamar a atenção da sociedade para que outros segmentos artísticos como o teatro e a televisão incluam os surdos e a Libras.

Autorização
Para tornar este projeto realidade a ONG Vez da Voz precisa da autorização de artistas e gravadoras para a produção legal destes materiais.

Canções selecionadas
1- É isso aí - Damien Rice, versão Ana Carolina;
2- Mãos – Ivan Lins;
3- Um Amor Puro – Djavan;
4- Esperando Aviões – Vander Lee;
5- O Caderno – Toquinho;
6- Hoje a noite não tem Luar – Legião Urbana;
7- Todo Azul do Mar - Ronaldo Bastos e Flávio Venturini;
8- Epitáfio - Sérgio Britto;
9- O Segundo Sol - Nando Reis

O cantor deficiente visual
Filho de pernambucanos, Gil de Lucena nasceu em São Paulo, em 1967. Aos dois anos, teve glaucoma e megalocórnea e aos quatro ficou completamente cego. Mas foi premiado com o dom da música e, aos 5 anos, decorava letras e cantava no ritmo do rádio. Estudou no Colégio Padre Chico, onde se destacou como solista do coral infantil. Na festa de comemoração dos 50 anos da escola, chegou a cantar para o governador e o então presidente da república.
Percebendo que o menino tinha talento, um vizinho o presenteou com um violão. Gil adorava as rodas de moleques que ficavam no chão, tocando na calçada perto de sua casa. Ali ele aprendeu o que era coleguismo e percebeu que poderia dividir algo com os outros. Então, foi necessário aprender só os três primeiros acordes do violão, e o restante o talento tratou de mostrar.
Gil nunca fez aulas de canto ou de violão. É autodidata e tira tudo “de ouvido”. Na adolescência, ouvia as músicas de João Gilberto, Caetano, Maria Bethânia, Djavan. Aprendeu a tocar Bossa Nova assim, de tanto ouvir. Aos 15 anos, foi estudar em uma escola regular, onde só ele tinha deficiência. Sentiu-se excluído e foi ficando para trás na retenção dos conteúdos. Até que um dia, seu professor de português, Roberto Vicente, propôs que os alunos falassem sobre o que gostavam de fazer. Gil foi convidado a tocar para a classe, e nunca mais parou. Todos os dias freqüentava uma loja de discos. Ficava lá antes e depois das aulas. Aos 17, já era músico profissional e cantava em bares e festas.
Em 2005, enquanto tocava em um supermercado, emocionou uma jovem, que resolveu ajudá-lo e o indicou para a ONG Vez da Voz. Com o grupo, passou a cantar em shoppings, eventos, palestras. Suas apresentações são acompanhadas por Fabiano Campos, intérprete de Libras. Juntos, formam uma dupla que emociona surdos e ouvintes.

Os intérpretes de Libras
Fabiano Campos
Nasceu em Minas Gerais (1982). Estudante de jornalismo, Fabiano trabalha nos eventos da ONG Vez da Voz como intérprete de Libras. Apresenta também o Telelibras, primeiro telejornal inclusivo da Internet, idealizado pela ONG Vez da Voz e veiculado no site www.vezdavoz.com.br Foi estagiário da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos de São Paulo (FENEIS-SP). Atualmente, trabalha como intérprete de alunos surdos em universidades.
Há oito anos, ele foi convidado por uma amiga para fazer o curso de intérprete. Mas sequer imaginava que essa viria a ser sua profissão. Fabiano sente que tem um dom especial para interpretar músicas e se identifica com o Gil.

Rafaella Sessenta
Nasceu em Jequié, Bahia (1983). Hoje é estudante de Pedagogia e intérprete certificada de Libras pelo Pró-Libras do Ministério da Educação. Já atuou na Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos de São Paulo (FENEIS-SP) e participou como intérprete da gravação de comerciais e vídeos institucionais. Adora música e deseja transmitir esta alegria aos surdos.

O surdo
Surdos no Brasil
Segundo o último censo demográfico realizado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil, 5,7 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência auditiva, o que corresponde a 3% da população. Desse total, 166 mil são incapazes de ouvir e apenas 15% entendem o Português.

A música e os surdos
Recentemente, pesquisadores Universidade de Washington descobriram que as pessoas com surdez sentem vibrações na região do cérebro que é responsável pela audição Isso ajuda a explicar como eles podem sentir a música e apreciar concertos e outros eventos musicais, explica Dr. Dean Shibata, professor de radiologia na Universidade de Washington e autor do estudo.
Apesar das barreiras e pouca divulgação, a ligação entre o surdo e a música é forte e antiga. Um exemplo inegável é o caso de Beethoven, que mesmo surdo compôs a Nona Sinfonia. O músico ficou totalmente impossibilitado de ouvir aos 46 anos e em sua completa surdez compôs 44 obras musicais. A surdez possibilitou que Beethoven se tornasse mais introspectivo, profundo, contemplativo e livre das convenções musicais.
Este fato nos faz refletir sobre as emoções que estão contidas no silêncio.

http://www.vezdavoz.com.br/

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